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Sobrinho - Trotta | Mulheres que ocupam: violência, despejos e resistência feminista
TRAMAS SOCIALES • N° 05 | ISSN: 2683-8095
Mulheres que ocupam: violência,
despejos e resistência feminista
Taiana Sobrinho
Mariana Trotta Dallalana Quintan
Resumo
O presente artigo teve por objetivo analisar o processo de feminização do dé-
ficit habitacional, reletindo sobre a pobreza, a violência doméstica e o endivi-
damento das mulheres a partir das suas interconexões com a questão da mo-
radia. O trabalho se propôs a traçar uma corpografia das ocupações urbanas
no Rio de Janeiro, o que entendemos por corporificar os seus sujeitos (sujeitas),
que possuem classe, raça, gênero e sexualidade. Compostas majoritariamente
por mulheres negras e mães solo, que lutam pelo direito à moradia adequada,
as ocupações assumem o lugar de alternativa à crise da moradia, que foi ainda
agravada com a crise sanitária de Covid-19. Fundamentando-se sobretudo na
epistemologia feminista interseccional, o trabalho destaca como os despejos e
remoções forçadas, enquanto iniciativa violenta de despossessão de moradia,
se sobreem a outras violências estruturais e interseccionais que atravessam
as mulheres brasileiras, especialmente as mulheres negras, consistindo, por-
tanto, em uma forma de violência gendrada e racializada. A partir de expe-
riências de campo na Ocupação Zumbi e Luiz Gama, localizadas na zona por-
tuária e central da cidade, bem como na Ocupação Novo Horizonte, na cidade
de Campos dos Goytacazes, Estado do Rio de Janeiro, e das entrevistas rea-
lizadas, por meio de uma análise qualitativa compreendeu-se que a violência
Recepción: 24/04/2023
Aceptación: 18/08/2023
Taiana Sobrinho. Doutoranda em Di-
reito na Pontifícia Universidade Católi-
ca do Rio de Janeiro. Pesquisadora do
Grupo de Pesquisa Terras e Lutas.
taisobrinho@hotmail.com
Mariana Trotta Dallalana Quintan.
Professora da Faculdade de Direito da
Universidade Federal do Rio de Janeiro.
marianatrottafnd@gmail.com
Palavras-chave
Ocupão; Feminizão do décit habi-
tacional; Despejos.
key-word
occupancy; feminization of housing
decit; evicitions
Imagen de cartacapital.com.br
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provocada por um despejo ou remoção não se encerra na perda da moradia,
se tratando de uma forma de violência contras grupos sociais determinados e
específicos, chamando especial atenção para a situação das mulheres negras,
e que se perpetua em outras formas de violência estruturais, físicas, sexuais,
raciais e de gênero.
Abstract
The present article aimed to analyze the process of feminization of the
housing deficit, relecting on poverty, domestic violence and women’s
indebtedness from its interconnections with the housing issue. The work
proposed to trace a corpography of the urban occupations in Rio de Janeiro,
which we understand as embodying their subjects, who have class, race,
gender and sexuality. Composed mostly of black women and solo mothers,
who fight for the right to adequate housing, the occupations take the place
of an alternative to the housing crisis, which was further aggravated by
the Covid-19 health crisis. Grounded mainly in intersectional feminist
epistemology, the paper highlights how evictions and forced removals, as a
violent initiative of housing dispossession, overlap with other structural and
intersectional violences that cross Brazilian women, especially black women,
consisting, therefore, in a form of gendered and racialized violence. Based
on field experiences in Ocupação Zumbi and Luiz Gama, located in the port
and central zones of the city, as well as in Ocupação Novo Horizonte, in the
city of Campos dos Goytacazes, State of Rio de Janeiro, and the interviews
conducted, through a qualitative analysis it was understood that the violence
provoked by an eviction or removal does not end with the loss of housing, It
is a form of violence against specific social groups, drawing special attention
to the situation of black women, and that is perpetuated in other forms of
structural, physical, sexual, racial, and gender violence.
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Introdução
No Brasil, cerca de 6 milhões de pessoas vivem em ha-
bitações precárias, em coabitação ou têm ônus excessivo
com o pagamento do aluguel, das quais 60% são mulhe-
res, em sua maioria negras, mães solo e chefes de fa-
lia, segundo dados da Fundação João Pinheiro (2021).
Este processo de feminização do déficit habitacional
tem múltiplos fatores, desdea valorização imobiliária, a
ausência de políticas públicas habitacionais de interesse
social nos últimos quatro anos
1
, a feminização da pobre-
za, com desemprego de mulheres, a precarização do tra-
balho, os baixos salários, o endividamento com os custos
da reprodução social, como às mudanças nos arranjos
familiares e a violência doméstica.
Desta forma, este artigo analisa como os aspectos rela-
cionados à feminização do déficit habitacional - especial-
mente, os baixos salários, o endividamento das mulhe-
res e a violência doméstica - têm impactado na presença
massiva de mulheres pobres, negras e mães solo, nas
ocupações urbanas por moradia.
Apesar de representarem mais da metade da população
e serem responsáveis pelo sustento de 48% das famílias
brasileiras, (IBGE, 2022), as mulheres ainda enfrentam
a desigualdade salarial em relação aos homens, quando
levamos em conta os dados do rendimento médio men-
sal, e os maiores índices de desemprego. Também são as
mulheres as que mais se endividam para manter a sub-
sistência da família e o custeio da moradia, sendo inclu-
sive a maioria que se sobrecarrega com o ônus excessivo
com aluguel, conforme já demonstrado em outras pes-
quisas sobre o tema (Lacerda, Guerreira e Freire, 2021).
A pobreza e o endividamento femininos foram ainda
1 De 2018 a 2022, o Brasil foi governado pelo presidente Jair Bol-
sonaro, um conservador filiado a um partido de extrema direita, que
teve o seu governo pautado no que podemos chamar de antipolítica
(AVRITZER, 2021), comprometido com uma gestão de promoveu a
regressão das práticas democráticas, das políticas públicas no campo
dos direitos humanos e da criminalização dos movimentos sociais, in-
clusive os de luta pela terra e pela moradia.
aprofundados com a pandemia de Covid-19, quando en-
tão, segundo dados da Pnad/IBGE do início de 2020, a
taxa de desemprego para os homens foi de 12% enquanto
para as mulheres foi de 14,9%. A mesma pesquisa mos-
trou, em junho do mesmo ano, que 7 milhões de mul-
heres haviam deixado o mercado de trabalho na última
quinzena de março, enquanto para os homens esse quan-
titativo foi de 5 milhões.
Esse cenário guarda relações ainda com o aumento da
sobrecarga com o trabalho reprodutivo ou de cuidado e
doméstico, considerando que 50% das mulheres brasilei-
ras passaram a cuidar de alguém na pandemia (Gênero e
Número, 2021), o que trouxe impactos diretos na partici-
pação feminina no mercado de trabalho produtivo.
Foi ainda nesse contexto pandêmico que se agudizou a
crise da moradia no Brasil e as desigualdades de gênero
e raça foram escancaradas, havendo um incremento dos
índices de déficit habitacional sobretudo quanto às mul-
heres, tendo em vista que 36.456 famílias foram despeja-
das na pandemia e cerca 230.000 famílias estão ameaças
de despejos, das quais 60% das pessoas despejadas e
ameaçadas são mulheres (Despejo Zero, 2022).
A questão da moradia também atravessa de forma espe-
cífica as mulheres que se encontram em relacionamen-
tos abusivos e em situação de violência doméstica. Como
destacam Ludemir e Souza (2021), não é incomum que
mulheres deixem suas casas em casos de violência do-
méstica. Mas para onde ir?
Geralmente a solução encontrada como alternativa de
moradia está inserida na informalidade habitacional
(favelas e ocupações) ou na coabitação involuntária e em
situações de ônus excessivo com aluguel, que constituem
o déficit habitacional. Os autores têm alertado, entretan-
to, para a invisibilidade do fator violência doméstica nas
relexões sobre o déficit habitacional.
No Rio de Janeiro, foram registrados 1.500 atendimen-
tos de vítimas de violência doméstica e familiar no Tri-
bunal de Justiça do Rio de Janeiro. Segundo a 14ª edição
do Anuário Brasileiro de Segurança Pública, lançado
em 2020, a violência de gênero nos primeiros seis meses
de 2020 cresceu 1,5% (um e meio por cento) em relação
ao mesmo período de 2019 e o número de feminicídio
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aumentou 1,9% (um vírgula nove por cento) no mesmo
período. Já na edição de 2022, a 16ª, informa que prati-
camente todos os indicadores relativos à violência con-
tra mulheres apresentaram crescimento no último ano:
houve um aumento de 3,3% (três vírgula três por cento)
na taxa de registros de ameaça, e crescimento 0,6% (zero
vírgula seis por cento) na taxa de lesões corporais dolosas
em contexto de violência doméstica entre 2020 e 2021.
Os registros de crimes de assédio sexual e importunação
sexual cresceram 6,6% (seis vírgula seis por cento) e 17,8%
(dezessete vírgula oito por cento), respectivamente. Se-
gundo o Dossiê Mulher do Instituto de Segurança Pú-
blica, em 2020, 270 mulheres sofreram algum tipo de
violência por dia, totalizando mais de 98 mil casos no Es-
tado do Rio de Janeiro. Ainda, 78 mulheres foram vítimas
de feminicídio no mesmo ano.
Neste sentido, é objetivo também da pesquisa reletir a
relação da violência doméstica com a presença majori-
tária de mulheres nas ocupações para fins de moradia.
O artigo relete ainda como os despejos e remoções
forçadas em massa de populações vulneráveis no Rio de
Janeiro nos últimos anos são processos de violência con-
tra as mulheres e expressam a violência patriarcal. Moti-
vo pelo qual devem ser incorporados à agenda das lutas
feministas.
Para tanto, em relação à metodologia empregada, cabe
destacar que o presente trabalho tem por opção episte-
mo-metodológica situar-se no campo das pesquisas de
perfil jurídico-sociológicas, bem como foi desenvolvido
na modalidade de pesquisa qualitativa, comportando
tanto a pesquisa empírica a partir das visitas de campo
nas ocupações analisadas, que envolveu técnicas como a
observação participante e entrevistas, como a pesquisa
teórica, considerando a revisão bibliográficas sobre as
temáticas abrangidas, a análise de relatórios técnicos e
processos judiciais sobre os casos de conlitos analisa-
dos.
O texto está organizado em três partes que promovem
o diálogo entre a opção teórico-metodológica sobre o
tema, principalmente no que se refere ao pensamento fe-
minista interseccional, e apontamentos sobre a presença
marcante das mulheres, especialmente negras, nas ocu-
pações para fins de moradia.
Na primeira parte se dedica a analisar as relações entre
pobreza, endividamento e déficit habitacional feminino,
considerando as implicações sofridas com os anos de
pandemia, problematizando ainda os seus relexos so-
bre a população residente, sobretudo feminina, nas ocu-
pações visitadas.
A segunda parte trata de analisar as relações existentes
entre os índices de violência doméstica e a feminização
do déficit habitacional, ao que neste trabalho também
chamamos de violência patriarcal, mobilizando a teoria
de Bell Hooks, uma vez que a violência doméstica se fun-
damenta em padrões sociais sexistas e patriarcais. Tam-
bém é nesta seção que tecemos as relações entre a violên-
cia doméstica e os despejos cíclicos enfrentados pelas
mulheres vítimas, os “despejos por violência doméstica”
(Ludemir e Sousa, 2021).
A terceira parte se dedica à potência das resistências fe-
ministas no enfrentamento deste cenário de empobreci-
mento e vulnerabilidade habitacional das mulheres, so-
bretudo em razão da violência doméstica, mencionando
experiências de ocupações que tensionam essas estrutu-
ras e se colocam enquanto lugar de acolhimento para as
mulheres vítimas.
A corpografia
2
da luta pelo direito à moradia que se pre-
tende realizar neste trabalho, consiste em corporificar as
suas sujeitas, ou seja, desgeneralizar as desigualdades
sociais e romper com a neutralidade do sujeito de dire-
ito, privilegiando as suas trajetórias e marcando os seus
corpos, com seu gênero, sua sexualidade, sua raça e clas-
se social. Desta forma, se propõe também a compreen-
der essas diversas questões que são colocadas à sombra
2 Para fins deste trabalho, o conceito de corpografia é concebido en-
quanto uma cartografia corporal dos sujeitos e sujeitas envolvidos na
luta pela moradia urbana, ou seja, as experiências de precariedade e
informalidade habitacional ficam inscrita no corpo daqueles que as
experimentam e, desta forma, também os definem e forjam as suas
subjetividades, determinando inclusive o seu posicionamento nas hie-
rarquias sociais existentes, de poder, de classe, de gênero e raça.
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quando da formulação de políticas públicas, que atraves-
sam as mulheres de forma específica e se expressam em
números, dados, relatos e corpos femininos.
1. Pobreza, endividamento e déficit
habitacional feminino 
De acordo com a Fundação João Pinheiro, em 2019, a cri-
se habitacional em todo o Brasil estava em 5,8 milhões
de moradias. Os dados apontavam que o déficit habita-
cional entre 2016 e 2019 foi basicamente feminino, com-
preendendo 60% de mulheres, composto por mulheres
vivendo em condições de moradia inadequadas, arcando
com valores excessivos de aluguel e em situação de coa-
bitação (Lacerda, Guerreira e Freire, 2021).
Lacerda, Guerreira e Freire apontam o crescimento de
4,7% ao ano do déficit habitacional total entre os domi-
lios com mulheres chefes de família, por outro lado, a
redução em 3,1% ao anodos domicílios chefiados por ho-
mens (FJP, p.154 apud Lacerda, Guerreira e Freire, 2021).
No Rio de Janeiro, o déficit habitacional era de 500 mil
moradias em 2019. Em 296 mil moradias do estado, as
famílias que ganham até três salários-mínimos, gastam
pelo menos 30% da sua renda pagando aluguel. 70% das
moradias precárias no território luminense eram che-
fiadas por mulheres em 2019 (Sampaio, 2023).
Os dados apontam para o que tem sido denominado de
feminização do déficit habitacional (Lacerda, Guerreira e
Freire, 2021). Esse processo está relacionado a processos
socioeconômicos, como a valorização imobiliária, ausên-
cia de políticas públicas habitacionais de interesse social,
o desemprego, os baixos salários, o endividamento com
os custos da reprodução social, mudanças nos arranjos
familiares, além de aspectos relacionados “à reprodução
histórica das violências de gênero que atravessam as tra-
jetórias de vida de mulheres” (Lacerda, Guerreira e Frei-
re, 2021).
Com relação ao endividamento das mulheres, Lacerda,
Guerreira e Freire (2021) apontam que muitas mulheres
negras e mães solo comprometem grande parte de seus
salários para o pagamento dos aluguéis ou se endividam
para conseguirem morar. As autoras destacam que “a va-
lorização dos imóveis nas últimas décadas e as crises do
mercado de trabalho com baixos salários, termina one-
rando muito estas mulheres, que chegam a comprome-
ter grande parte do orçamento familiar, ou até mesmo a
se endividar para poder bancar sua moradia” (Lacerda,
Guerreira e Freire, 2021).Outras pesquisas também têm
apontado que são as mulheres aquelas que majoritaria-
mente se endividam para o pagamento de bens de sub-
sistência, como com os custos de moradia, água, luz, gás
e comida (Melo, Augusto e Quintans, 2021).
As autoras destacam que a lógica neoliberal de desman-
telamento de políticas sociais faz com que a responsabi-
lidade pelos servos públicos, que deveriam ser realiza-
dos pelo Estado, recaia integralmente sobre mulheres, já
impactadas com múltiplas jornadas de trabalho, fruto da
divisão sexual do trabalho, em um processo ainda maior
de superexploração das mulheres e privatização do cui-
dado (Melo, Augusto e Quintans, 2021).
Como aponta Bhattacharya (2020) são as mulheres, no
âmbito da desresponsabilização do Estado por políticas
públicas pelo capitalismo neoliberal, que arcam com as
despesas com alimentação, moradia, transportes públi-
cos, escolas e hospitais públicos, ingredientes necessários
para a produção da vida e reprodução social dos trabal-
hadores e suas famílias (Bhattacharya, 2020, p. 178).
Como afirmado por Cavallero e Gago (2019) viver no ca-
pitalismo financeiro produz dívida e esta recai principal-
mente sobre as mulheres e os corpos feminizados. Vero-
nica Gago (2020) analisa como o extrativismo financeiro
contemporâneo se expande com o “endividamento popu-
lar, associado ao consumo vinculado à esfera financeira.
A globalização econômica promovida pelo capital global
é acompanhada pelo processo de expansão do sistema
financeiro e do endividamento dos países e de famílias
inteiras. A lógica do capitalismo neoliberal financeiro
que tem sido adotada pelos países é a desresponsabili-
zação do Estado pelas políticas sociais com a ampliação
da inclusão social via o consumo das famílias que têm
contribuído para ampliar o endividamento (Teixeira, Ro-
dríguez, Cortez e Sarno, 2022, p. 6).
Gago (2020) destaca como o endividamento generaliza-
do faz com que as pessoas se sintam individualmente
responsabilizadas pelo aumento do tempo de trabal-
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ho e das tarefas e a sujeição aos baixos salários. Ocorre
uma individualização de um problema que na verdade
é coletivo e essa “estratégia de captura neoliberal sobre o
coletivo das populações, necessita de soluções coletivas”
(Teixeira, Rodríguez, Cortez e Sarno, 2022, p. 6).
Lacerda, Harkot, Santoro, Alho (2020), em diálogo com
Gago (2020), explicam que a
(“) economia popular é movida por mulheres e
que estas, para sobreviverem em uma economia
urbana com trabalhos e salários cada vez mais in-
suficientes, vão contraindo dívidas ao ponto de
acabar trabalhando para pa-las, em um processo
que conecta as finanças às violências e faz alorar a
precariedade como uma condição que as impede de
prosperar, pois estão constantemente em condições
estruturais de despojo – sem-terra, sem salário e
aprisionadas pelasvidas (Lacerda, Harkot, Santo-
ro e Alho, 2020, p. 10).
A natureza das dívidas se modificou nos últimos anos.
Se anos atrás o endividamento dos setores populares se
dava para o pagamento de crédito financeiro para a com-
pra de carros, casas e apartamentos, atualmente, o crédi-
to tem sido utilizado para cobrir as despesas cotidianas
com comida, remédio, água, luz, gás, escola e outros gas-
tos. É um “endividamento para viver, um endividamen-
to ligado às tarefas da reprodução da vida sustentadas
principalmente pelas mulheres (Teixeira, Rodrígues,
Cortez e Sarno, 2022).
No Brasil, pesquisa da Confederação Nacional do Co-
mércio de Bens, Serviços e Turismo indicava que o en-
dividamento, no início de 2022, atingia 77,5% das famí-
lias. A Pesquisa “Endividar-se para viver: o cotidiano das
mulheres na pandemia” identificou um aumento no nível
de endividamento das mulheres das classes populares e
suas famílias durante a pandemia, mesmo com o recebi-
mento do auxílio emergencial durante parte de 2020 e
2022 (Teixeira, Rodrígues, Cortez e Sarno, 2022).
A referida pesquisa constatou que a maioria das entre-
vistadas relatou ter incorrido em novas dívidas duran-
te a pandemia de Covid-19. A metade das entrevistadas
afirmou ter se endividado para cobrir as necessidades
básicas com alimentação, moradia, saúde e transporte.
60% das entrevistadas informaram que os gastos com o
pagamento das dívidas comprometem de alguma forma
o orçamento para garantir a sobrevivência, e 30% afir-
maram que o endividamento compromete totalmente
os gastos com as despesas diárias (Teixeira, Rodrígues,
Cortez e Sarno, 2022).
Além disso, 40% das mulheres entrevistadas para a pes-
quisa “Sem parar: o trabalho e a vida das mulheres na
pandemia” afirmaram que o contexto da pandemia colo-
cou a sustentação das suas casas em risco. Essas mulhe-
res apontaram como dificuldade principal o pagamento
de contas básicas ou do aluguel. 55% destas mulheres
eram negras (SOFT, 2020).
O elevado endividamento das falias comprometeu o
acesso à habitação e aos alimentos adequados. De acordo
com o Inquérito nacional sobre insegurança alimentar
na pandemia de Covid-19, em 2022, 33 milhões de pes-
soas passavam fome e 122 milhões sofriam com alguma
situação de insegurança alimentar no Brasil (Penssan,
2021). No estado do Rio de Janeiro, 2,7 milhões de pes-
soas passavam fome (Penssan, 2021). No relatório da pes-
quisa é explicado que:
(“) em todos os estados, as famílias mais vulnerá-
veis à Insegurança Alimentar moderada e grave são
aquelas com renda inferior a 1/2 SMPC, cujas pessoas
de referência estão desempregadas ou em condição
de trabalho precária, além de apresentarem baixa es-
colaridade (Penssan, 2021, p. 10).
Veronica Gago aponta como a pandemia aprofundou a
emergência alimentar e habitacional, a autora explica
que
La deuda de los hogares es una bomba de tiempo en
las vidas precarias. Hoy, la deuda por vivienda expre-
sa toda su violencia propietaria en el abuso directo
de dueños e inmobiliarias que aprovechan la situa-
ción crítica para amenazar, amedrentar, no renovar
contratos o directamente desalojar a lxs inquilinxs.
La situación se agrava aún más cuando se trata de
mujeres con hijes, lesbianas, travestis y trans, tradu-
ciéndose en formas directas de violencia de género.
(Cavallero e Gago, 2021, p.64).
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Como também apontam Guilherme Almeida e Jéssyka
Ribeiro a população trans também vive sérios problemas
habitacionais:
uma questão comum a muitas pessoas trans tem
sido historicamente a expulsão ou evasão das
próprias falias, por vezes, ainda crianças ou ado-
lescentes.Apartird(ousimultaneamente) trajetó-
rias escolares são rompidas e a sobrevivência ma-
terial se impõe no limite. Raramente pessoas trans
têm oportunidade de completar seu processo de es-
colarização sem vivenciarem conlitos tanto em casa
quantonaescola. Alémdisso,também raramente
podem escolher quando e como irão se inserir
numa atividade de trabalho remunerado. Formação
precária, ausência de uma rede de suporte familiar e
transfobia comunitária cooperam em processos que
empurramessas pessoas para moradias precárias
e temporárias, sejam estas individuais ou coletivas,
especialmente nas periferias e favelas das grandes
cidades. (Almeida e Ribeiro, 2021, p. 166).
Ao longo dos últimos anos, inexistem políticas habita-
cionais de interesse social tanto em nível federal, como
estadual e municipal no Rio de Janeiro. Esse cenário, so-
mado à crise econômica e a pandemia da Covid-19, tem
agravado o déficit habitacional.
Como apontam Caballero e Gago (2021, p.65) para mui-
tas mulheres “la deuda es la antesala del desalojo y, a la
vez, la manera de aplazarlo, de postergarlo. Para muches,
quedarse sin el lugar donde vivir implica irse a vivir di-
rectamente a la calle o recaer en casas violentas, de las
que han logrado escaparse.”
Nesse cenário, as ocupações de moradia têm se apresen-
tado como alternativa habitacional a essas mulheres e
suas famílias. Como inúmeras famílias, especialmente
chefiadas por mulheres, ao longo da crise sanitária, che-
garam às ocupações de moradia em razão de não conse-
guirem arcar com as despesas de aluguel.
Analisar algumas ocupações por moradia realizadas nos
anos da crise sanitária no estado do Rio de Janeiro aju-
dam a visualizar esse cenário. Algumas ocupações foram
organizadas por movimentos populares de luta pela mo-
radia e outras foram realizadas por famílias sem a me-
diação dos referidos movimentos, as quais classificamos
como ocupações espontâneas.
Para fins deste trabalho, foram analisados o perfil demo-
gráfico, bem como as atividades profissionais nos quais
os moradores estavam ocupados no momento das visitas
de campo, das Ocupações Zumbi, Novo Horizonte e Luiz
Gama. A metodologia utilizada compreendeu métodos
quantitativos juntamente com análises qualitativas. Pa-
ralelamente, foram realizadas entrevistas com roteiro
estruturado com as pessoas envolvidas
A Ocupação Zumbi dos Palmares é localizada no pré-
dio público do Instituto Nacional de Seguridade Social
(INSS) na região central do Município do Rio de Janeiro.
O prédio não é utilizado pelo INSS há mais de 20 anos,
por tal motivo, o imóvel já foi ocupado inúmeras vezes.
Atualmente, o prédio é ocupado por muitas falias em
situação de extrema vulnerabilidade social que, se equi-
librando entre o lixo e o esgoto, passaram a viver no imó-
vel durante a pandemia da Covid-19.
A ocupação conta com um grande número de mulheres
negras. 68,5% dos moradores são mulheres, sendo duas
mulheres trans. 85,2% se autodeclararam negros (57,4%
pretas e 27,8% pardas). 63% dos chefes de família são
mulheres. Destas, 34,3% são mães solo. 73,1% possuem
ensino fundamental incompleto (Najup Luiza Mahin,
2023). Essa maioria feminina também se manifesta em
quem lidera a ocupação, em quem tem iniciativa para to-
mar a fala, em quem comparece nos atos populares e nas
mobilizações.
37% das pessoas estão desempregadas e 59,3% são tra-
balhadores informais, dentre os quais a maioria trabal-
ha como ambulante (camelô) ou com reciclagem. 57,4%
possuem renda de R$ 600,00 (seiscentos reais) mensais,
relativo ao recebimento do benefício do Auxílio Brasil.
45,3% recebem algum tipo de benefício social, destes
89,3% recebem Auxílio Brasil ou Bolsa Família (Najup
Luiza Mahin, 2023).
20,4% foram morar na ocupação por não possuírem din-
heiro para pagamento de aluguel, além das 3,1% que fo-
ram despejadas por falta de pagamento e das 31,5% que
estavam em situação de rua antes da entrada na ocu-
pação. 14,8% viviam em coabitação. 83,3% dos moradores
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nunca foram inseridos em cadastros de programas habi-
tacionais. (Najup Luiza Mahin, 2023).
A Ocupação Novo Horizonte, localizada no Município de
Campos dos Goytacazes, região norte do estado do Rio
de Janeiro, também é composta majoritariamente por
mulheres negras e mães solos, muitas desempregadas
diante da pandemia, e em razão da ausência de política
pública emergencial, ocuparam o conjunto habitacional
Novo Horizonte em busca da efetivação do direito à mo-
radia adequada durante a pandemia.
Na ocupação 66% das famílias são chefiadas por mul-
heres, dessas 47% são de mães solo. 80% dos moradores
são negros. Cerca de 80% são trabalhadoras informais,
autônomas e desempregadas. Mais da metade das fa-
lias encontram-se em estado de pobreza (Processon.
5002208-56.2021.4.02.5103).
A Ocupação Luiz Gama, organizada pelo Movimento de
Luta nos Bairros, Vilas e Favelas (MLB), em novembro de
2022, em um prédio particular no centro da cidade do
Rio de Janeiro que estava sem utilização há pelo menos
oito anos, também conta com a presença marcante das
mulheres.
66% dos ocupantes eram mulheres, 32% das famílias
eram monoparentais, o que sinaliza, cruzando os dados,
para um perfil de falias compostas em sua maioria por
mulheres mães solo. 50% comprometiam grande parte
de sua renda com o pagamento do aluguel, 22% viviam
em coabitação, 14% viviam em imóveis precários cedidos,
10% em ocupações precárias e 1 pessoa vivia em situação
de rua, segundo levantamento da Secretaria Estadual de
Assistência Social do Rio de Janeiro (Processo n. 0861489-
31.2022.8.19.0001, 50ª Vara Cível da Comarca da Capital).
As ocupações de moradia no Rio de Janeiro têm classe,
raça e gênero. São compostas majoritariamente por mul-
heres negras de baixa renda. Tais dados apontam para
a necessidade de políticas habitacionais de interesse so-
cial com enfoque interseccional voltadas a responder às
demandas habitacionais de mulheres negras e pessoas
trans. Como explicado por Crenshaw
A interseccionalidade é uma conceituação do proble-
ma que busca capturar as consequências estruturais
e dinâmicas da interação entre dois ou mais eixos
da subordinação. Ela trata especificamente da for-
ma pela qual o racismo, o patriarcalismo, a opressão
de classe e outros sistemas discriminatórios criam
desigualdades básicas que estruturam as posições
relativas de mulheres, raças, etnias, classes e outras.
(Crenshaw, 2002, p. 177).
Se como aponta a autora, por um lado “interseccionali-
dade trata da forma como as ações e políticas específi-
cas geram opressões que luem ao longo de tais eixos
(Crenshaw, 2002, p. 177). Por outro lado, olhar a realidade
pelas lentes analíticas da interseccionalidade permite a
formulação de políticas públicas atentas às vulnerabili-
dades específicas de mulheres negras.
2. Violência patriarcal e déficit habitacional
A violência doméstica tem sido apontada como elemento
de incremento do déficit habitacional, apesar de muitas
vezes invisibilizada nas relexões sobre a moradia (Lude-
mir e Souza, 2021).
Bell hooks (2020) nomeia a violência doméstica e fa-
miliar contra mulheres como uma violência patriarcal,
resultado do sexismo, que só acabará quando acabar o
sexismo. A autora explica que
O termo “violência patriarcal” é útil porque, diferen-
temente da expressão “violência doméstica”, mais
comum, ele constantemente lembra o ouvinte que a
violência no lar está ligada ao sexismo e ao pensa-
mento sexista, à dominação masculina. Por muito
tempo, o termo violência doméstica tem sido usado
como um termo “suave, que sugere emergir em um
contexto íntimo que é privado e de alguma maneira
menos ameaçador, menos brutal, do que a violência
que acontece fora do lar. Isso não procede, já que
mais mulheres são espancadas e assassinadas em
casa do que fora de casa (Hooks, 2020, p. 96).
No presente artigo, apesar de ser utilizado também o ter-
mo violência doméstica, é compreendido que a violência
doméstica expressa a violência patriarcal. Pois, a violên-
cia patriarcal é um fenômeno multifacetado e complexo
que abarca a violência tanto nas esferas pública como
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ARTÍCULOS LIBRES
Sobrinho - Trotta | Mulheres que ocupam: violência, despejos e resistência feminista
TRAMAS SOCIALES • N° 05 | ISSN: 2683-8095
privada e se caracteriza pela violência física, psicológica,
sexual, patrimonial, moral ou simbólicacontra pessoas
em razão de sua identidade de gênerofeminina ou orien-
tação sexual.
Ao longo das últimas quatro décadas no Brasil, a luta
feminista tem conquistado o reconhecimento de alguns
mecanismos de combate à violência patriarcal nos mar-
cos normativos. Especialmente relacionado à violência
doméstica e familiar contra as mulheres, a Constituição
Federal brasileira de 1988, no § 8º do art. 226, estabele-
ceu que o Estado deveria criar mecanismo para coibir a
violência doméstica e familiar contra as mulheres. Tal
previsão, foi regulamentada pela Lei Maria da Penha
(Lei 11.340) promulgada em agosto de 2006, que criou
mecanismos para coibir e prevenir a violência doméstica
e familiar contra a mulher, com a criação dos Juizados
de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher e o
estabelecimento de medidas de assistência e proteção às
mulheres em situação de violência doméstica e familiar.
Em decisão recente e inédita, de abril de 2022, a Sexta
Turma do Superior Tribunal de Justiça estabeleceu que
a Lei Maria da Penha (Lei 11.340 de 2006) também deve
ser aplicada em casos de violência doméstica ou familiar
contra mulheres transgênero, mencionando ainda a Re-
comendação 128 do Conselho Nacional de Justiça (CNJ),
que adotou protocolo para julgamentos com perspectiva
de gênero, abrindo um importante precedente neste sen-
tido.
Foram estabelecidas na referida lei medidas protetivas
de urgência com o objetivo de proteger as mulheres víti-
mas de violência doméstica de seus agressores. Dentre as
medidas, a lei prevê que o juiz poderá encaminhar a mul-
her vítima de violência doméstica e seus filhos e filhas
para programas de proteção e atendimento (artigo 23, I
da Lei 11.340 de 2006). A Lei Maria da Penha também
estabeleceu que a União, o Distrito Federal, os Estados
e os Municípios deveriam criar “casas-abrigos para mul-
heres e respectivos dependentes menores em situação de
violência doméstica e familiar” (artigo 35, II da Lei 11.340
de 2006).
A lei Maria da Penha também estabelece, entre as me-
didas protetivas de urgência, que deveriam obrigar o
agressor, o “afastamento do lar, domicílio ou local de
convivência com a ofendida” (artigo 22, II da Lei 11.340 de
2006). No entanto, apesar desta previsão normativa, não
é incomum que as mulheres deixem suas casas ao invés
dos agressores serem afastados. Ludemir e Sousa (2021)
apontam que a violência doméstica em alguns casos fun-
ciona como ferramenta de despejo e despossessão das
mulheres, como modo de garantir que os homens man-
tenham o controle sobre bens e recursos. Esse fenômeno
foi denominado como “despejos relacionados à violência
domésticau (Ludemir, apus Lacerda, Guerreira e Freire,
2021).
Esse é um elemento que tem incentivado a feminização
do déficit habitacional (Ludemir e Souza, 2021). Estas
mulheres frequentemente recorrem à casa de parentes,
passam a viver de aluguel ou em habitações precárias.
Os equipamentos públicos com a finalidade de garantir
moradia às mulheres vítimas de violência doméstica são
escassos no Brasil. Em 2019, em todo o território nacio-
nal, existiam menos de oitenta casas-abrigo para mulhe-
res em situação de violência e risco iminente de morte,
presentes em apenas 2,4% dos municípios do país (Lude-
mir e Sousa, 2021). No Rio de Janeiro existem atualmen-
te apenas quatro Casas-abrigo em todo o estado, a Casa
Abrigo estadual Lar da Mulher, a Casa Abrigo Municipal
Deiva Rampini, localizada em Volta Redonda, a Casa
Abrigo Municipal Cora Coralina, localizada no Rio de Ja-
neiro e a Casa Abrigo Municipal Benta Pereira localizada
em Campos dos Goytacazes.
Poucos estados e municípios possuíam aulio-aluguel
para mulheres vítimas de violência doméstica no país
(Ludemir e Sousa, 2021). O estado do Rio de Janeiro não
possui aulio-aluguel e apenas alguns municípios do
estado dispõe de tal medida. No Município do Rio de Ja-
neiro tramita o Projeto de Lei nº 2002/2020 que propõe a
concessão do benefício do auxílio aluguel social no valor
de R$500,00 destinado às mulheres vítimas de violên-
cia doméstica. Em 2023, foi aprovada a Lei nº 7.754 que
instituiu o cartão Mulher Carioca que concede R$600,00
mensais, para mulheres vítimas de violência doméstica
assistidas pelos equipamentos vinculados à Secretaria
Municipal de Política e Proteção às Mulheres do Rio de
Janeiro (SPM-Rio).
Estes apoios são importantes para que as mulheres ten-
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62Sobrinho - Trotta | Mulheres que ocupam: violência, despejos e resistência feminista
ARTÍCULOS LIBRESTRAMAS SOCIALES • N° 05 | ISSN: 2683-8095
do autonomia financeira possam romper com o ciclo
de violência. Entretanto, em razão das limitações das
políticas habitacionais para mulheres em situação de
violência, Ludemir e Sousa (2021, pp.11-12) destacam que
a maioria das sobreviventes que entrevistaram “buscou
abrigo na casa de amigos e parentes, geralmente em mo-
radias precárias, superlotadas e compartilhadas com
outras falias, enquanto uma parcela menor das sobre-
viventes conseguiu alugar uma moradia, enfrentando
ônus excessivo com aluguel” (Ludemir e Sousa, 2021). Os
autores apontam que
Mulheres que sofrem despejos e despossessão por
meio da violência doméstica são empurradas para
uma situação de déficit e inadequação habitacional
que não pode ser desconsiderada nos estudos e a-
lises sobre moradia. Por outro lado, a permanência
das sobreviventes em situação de violência por falta
de alternativa de moradia configura um “déficit ha-
bitacional invisível”, e isso sugere que a demanda por
moradia no país é ainda maior do que as abordagens
vigentes apontam (Ludemir e Sousa, 2021, p. 19).
Os autores apontam que a moradia para mulheres em
situação de violência doméstica não deve ficar restrita à
abrigos emergenciais,
São necessárias alternativas de moradia de curto,
médio e longo prazo para que essas mulheres e seus
filhos possam sair de relacionamentos abusivos an-
tes que sejam expostos ao risco de morte, sem ter de
voltar a esses relacionamentos em troca de um teto.
A ampliação e a diversificação da provisão de mora-
dia para mulheres devem ser consideradas parte das
estratégias de prevenção e enfrentamento da violên-
cia (Ludemir e Sousa, 2021, p. 19).
Entretanto, como existe uma “negligência das políticas
públicas no Brasil em relação às interfaces entre moradia
e violência doméstica” (Ludemir e Souza, 2021), muitas
mulheres que deixam seus lares em razão da violência
doméstica, atoladas pelo pagamento de aluguéis eleva-
dos ou em coabitações precárias e superlotadas, veem
nas ocupações para fins de moradia a possibilidade de
sobrevivência e a ruptura com o ciclo de violência domés-
tica.
Mulheres vítimas de violência doméstica passam a con-
tar nas ocupações coletivas, para além do teto, com uma
rede de apoio e solidariedade. Lacerda, Guerreira e Frei-
re (2021) identificaram com base em entrevistas com li-
deranças de movimentos de moradia de São Paulo, que,
todos os dias,
chegam às ocupações famílias formadas por mães
solo e mulheres fugindo de relacionamentos violen-
tos. Sem ter para onde ir e sem encontrar alterna-
tivas viáveis junto às políticas públicas – (“) - essas
mulheres procuram uma alternativa habitacional,
junto a um acolhimento emocional e solidário, na
tentativa de reconstruir suas redes de sociabilidade,
junto às ocupações de moradia (Lacerda, Guerreira
e Freire, 2021).
Quintans, Silva e Sobrinho (2022) identificaram a pre-
sença de uma mulher na ocupação Novo Horizonte no
Município de Campos dos Goytacazes, na região norte
do estado do Rio de Janeiro, que ficou sem moradia em
razão de violência patrimonial. A referida mulher relatou
que
Eu era casada com o pai do meu filho, e desde a des-
coberta do autismo, ele nunca aceitou o filho. Por
questões machistas e de raiva, ele fez os avós nos ti-
rar da casa, porque pedi o divórcio por não aceitar
o descaso dele com o nosso filho. Com isso tudo, eu
não tinha onde morar. Foi então que a minha irmã
me permitiu ficar na casa dela. (“) É muito ruim
você viver na casa das pessoas de favor, mesmo sen-
do da família. A casa tinha 10 pessoas morando em
dois quartos. Quando eu fiquei sabendo da invasão,
eu fui ocupar uma casa pra mim, (“) É muito triste
a gente não ter o que garante os nossos direitos de
moradia digna, de uma água, de uma luz. Estou lá
porque necessito ter uma casa digna e dar uma vida
digna para o meu filho, já que ele foi abandonado
pelo próprio pai (Quintans, Silva e Sobrinho, 2022,
p. 1908)
Esse também é o perfil das mulheres que formavam a
ocupação Ecovila Maricá organizada pelo Movimento
Nacional de Luta pela Moradia (MNLM) no Município
de Maricá, no estado do Rio de Janeiro. Muitas mulheres
que eram atendidas pela Casa da Mulher do Município
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ARTÍCULOS LIBRES
Sobrinho - Trotta | Mulheres que ocupam: violência, despejos e resistência feminista
TRAMAS SOCIALES • N° 05 | ISSN: 2683-8095
em razão da ausência de moradia por violência domésti-
ca passaram a engrossar as fileiras do movimento social
e ocuparam em outubro de 2022 uma grande fazenda
particular que descumpria a função social da proprie-
dade. O objetivo da ocupação era transformar o imóvel
improdutivo numa Ecovila, espaço de moradia e geração
de renda.
Outro espaço importante da luta das mulheres foi a cons-
trução da Casa de Referência Almerinda Gama, fruto
da ocupação do Movimento Nacional de Mulheres Olga
Benário a um prédio estadual sem utilização há vários
anos, no centro da cidade do Rio de Janeiro. A Casa, que
funciona desde 08 de março de 2022, tem como objetivo
fortalecer as redes de apoio e enfrentamento à violência
contra as mulheres. Funcionando também como abri-
go para mulheres vítimas de violência doméstica e seus
filhos e filhas. (Processo nº. 0130222-82.2022.8.19.0001,
1ºVara de Fazenda Pública).
Em outros estados do país, o Movimento de Mulheres
Olga Benário também realizou outras ocupações com o
mesmo objetivo, como a Casa de Referência Tina Mar-
tins, em Belo Horizonte, criada em 2016, a Casa de Re-
ferência de Mulheres Mirabal, em Porto Alegre, em 2016,
e a Casa de Referência Helenira Preta, em São Paulo, em
2018 (Lacerda, Harkot, Santoro, Alho, 2020).
Como já destacado, o estado do Rio de Janeiro possui
apenas quatro casas-abrigos para acolhimento de mul-
heres vítimas de violência doméstica, apenas duas des-
sas casas- abrigos estão localizadas na cidade do Rio de
Janeiro, uma municipal e outra estadual. O que demons-
tra a importância da ocupação Casa Almerinda Gama,
auto-organizada pelas mulheres do Movimento Olga
Benário, na construção de políticas para as mulheres.
Este tipo de ocupação de mulheres tem contribuído para
incrementar a rede de apoio e enfrentamento à violência
contra as mulheres.
Apesar de alguns avanços nos últimos anos no que se
refere às interfaces entre o direito à moradia e mulhe-
res,como, por exemplo, publicação da Lei. 11.124 de 2005,
sancionada pelo atual presidente Luiz Inácio Lula da Sil-
va (PT), que determina a preferência pela titulação femi-
nina em políticas públicas de moradia de interesse social
com o objetivo de proteger a autonomia das mulheres
sobre a casa, bem como a criação do Programa Minha
Casa, Minha Vida (Lei 11.977 de 2009)
3
, inaugurado em
suas duas gestões anteriores (2003-2006 e 2007-2010), a
feminização do déficit habitacional permaneceu aumen-
tando após essas iniciativas. Em 2016, 54,6% das famílias
que compõem o déficit habitacional era chefiadas por
mulheres, ou seja, 5,4 pontos percentuais a menos do que
em 2019 (Fundação João Pinheiro, 2021).
Além da estagnação das políticas públicas no campo da
moradia nos 4 anos (2019-2022) de gestão do ex-presi-
dente Jair Bolsonaro (PL)
4
, a feminização do déficit ha-
bitacional é uma situação complexa e não se encerra em
ter uma casa, uma vez que é impactada por diferentes
variantes, sendo a violência doméstica uma delas.
Considerando os relexos do fator “violência doméstica”
na conjuntura do déficit habitacional, a Comissão Mis-
ta formada por parlamentares do cenário político, res-
ponsável por emitir parecer sobre a Medida Provisória
nº 1.162, de 15 de fevereiro de 2023, que recria o Progra-
ma Minha Casa, Minha Vida, apresentou propostas de
emendas que contemplam as desigualdades de gênero
no campo do direito à moradia, sem, no entanto, men-
cionar uma vez sequer as desigualdades raciais que se
entrelaçam nas dimensões de gênero contempladas.
Apesar disso, o programa prevê prioridade, “para fins
de atendimento a provisão subsidiada de unidades ha-
bitacionais, com o emprego de dotação orçamentária da
3 O Programa Minha Casa, Minha Vida - PMCMV tem por finali-
dade criar mecanismos de incentivo à produção e aquisição de novas
unidades habitacionais ou requalificação de imóveis urbanos e pro-
dução ou reforma de habitações rurais, para famílias com renda men-
sal de até R$ 4.650,00 (quatro mil, seiscentos e cinquenta reais).
4 No Orçamento de 2021, o governo Bolsonaro cortou 98% da ver-
ba do Fundo de Arrendamento Residencial, que financiava a faixa 1
do Programa Minha Casa, Minha Vida voltada às famílias de baixa
renda, paralisando a entrega de cerca de 200 mil habitações. Disponí-
vel em Orçamento: Governo corta 98% dos recursos para Minha Casa
Minha Vida (uol.com.br). Acesso em 15.06.2023.
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64Sobrinho - Trotta | Mulheres que ocupam: vioncia, despejos e resistência feminista
ARTÍCULOS LIBRESTRAMAS SOCIALES • N° 05 | ISSN: 2683-8095
União e com recursos do FNHIS, do FAR ou do FDS
5
,
para as famílias que tenham a mulher como responsá-
vel pela unidade familiar, bem como para as que tenham
mulheres vítimas de violência doméstica e familiar, con-
forme o disposto na Lei nº 11.340 de 2006 (Lei Maria da
Penha), que tutela também as mulheres trans vítimas de
violência doméstica.
No entanto, conforme destacamos no início deste artigo,
não basta dar a casa, é fundamental ter autonomia so-
bre ela para nela permanecer, sobretudo em situações de
violência doméstica.
Neste sentido, a proposta do programa traz alguns
avanços. Além de manter a preferência de titulação fe-
minina e independente da outorga do cônjuge, no caso
das mulheres que sejam chefes de família, bem como que
nos casos de dissolução de união estável ou divórcio o tí-
tulo do imóvel adquirido, construído ou regularizado, se
mantém com a mulher, o relatório propõe, no seu artigo
10, parágrafo 5º, que nos casos das mulheres vítimas de
violência doméstica ou familiar que estejam sob medida
protetiva de urgência estão autorizadas a realizar o dis-
trato dos contratos de compra e venda antes do prazo fi-
nal contratual, sendo-lhes permitido serem beneficiadas
em outra unidade habitacional, independente do regis-
tro no Cadastro Nacional de Mutuários.
Essa iniciativa, desta forma, garantiria que essas mul-
heres saíssem de seus lares e fossem inseridas em outra
unidade habitacional, fora do lar agressor. Contudo, sa-
bemos que uma situação de violência doméstica envolve
também outras nuances, como dependência financeira,
afetiva e psicológica, o que dificulta uma solução atra-
vés de uma única medida, como a provisão de uma nova
casa. Por outro lado, se trata de uma iniciativa funda-
mental para que essas mulheres possam ao menos cogi-
tar um novo futuro na segurança de um novo lar e não
terem apenas a informalidade habitacional ou as ruas
como opção para sair do contexto de violência.
5 Artigo 8º, inciso I, da Medida Provisória nº 1.162 de 15 de fevereiro
de 2023.
A referida medida provisória foi aprovada no plenário da
Câmara dos Deputados e do Senado Federal, no dia 13 de
junho de 2023, e agora segue para a sanção presidencial
do atual presidente Lula.
3. Resistências feministas, despejos e violência
Algumas feministas têm defendido a greve de mulheres
como instrumento de luta contra a violência que o ca-
pitalismo impõe às mulheres. Arruzza, Bhattacharya e
Fraser (2019). Veronica Gago (2020) foi outra teórico-mi-
litante que defendeu a redefinição da greve como gra-
tica da luta feminista compreendendo que “os feminis-
mos, através da greve, desafiam as fronteiras do que se
define como trabalho e, port
anto, como classe trabalhadora, reabrindo-a a novas ex-
periências” (Gago, 2020, p. 14). A autora reletiu em “A
potência feministauX no calor dos acontecimentos sobre a
greve internacional das mulheres, que:
i) Em um sentido analítico: o que a greve nos permite
ver, detectar e ressaltar em termos de como se pro-
duz um regime de invisibilidade específico sobre
nossas formas de trabalho e de produzir valor em
territórios diversos. (...) é com a greve que construí-
mos um diagnóstico perfeito sobre a precariedade a
partir do ponto de vista de nossas estratégias para
resistir e politizar a tristeza e o sofrimento. (...)
ii) Em um sentido prático: como a greve nos permi-
te desafiar e cruzar os limites do que somos, o que
fazemos e o que desejamos, e se torna um plano que
constrói um momento histórico de deslocamento
com relação de vítimas e excluídas. Nessa perspec-
tiva, a prática da greve é a redefinição de uma pode-
rosa forma de luta em um momento histórico novo.
(Gago, 2020, p. 13-14).
Lacerda, Harkot, Santoro e Alho (2020) ao pensarem na
resistência a processos de remoção no Brasil trazem essa
imagem da “greve, entendendo que esses processos de
luta contra os despejos forçados/, assim como, a greve
feminista, tornam “visíveis as precariedades urbanas e
da vida, às quais as famílias estão submetidas” (Lacerda,
Harkot, Santoro e Alho, 2020, p. 20).
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ARTÍCULOS LIBRES
Sobrinho - Trotta | Mulheres que ocupam: violência, despejos e resistência feminista
TRAMAS SOCIALES • N° 05 | ISSN: 2683-8095
Como comumente é falado por militantes de movimen-
tos populares de luta por moradia, como o MLB, as ocu-
pações de imóveis são como a greve para o movimento
dos trabalhadores assalariados. Os movimentos de luta
por moradia possuem as ocupações coletivas no seu re-
pertório de ação coletiva. Como aponta Charles Tilly
(1978), o repertório é um conjunto de formas de ação, que
se constitui historicamente e se renova aos poucos com a
experiência de ações bem-sucedidas ou negativas.
Como analisado neste artigo, as mulheres estão presen-
tes e são protagonistas na construção das ocupações de
moradia, assim como, outras pesquisas identificaram
que “as disputas que envolvem a moradia, ou outras di-
mensões da reprodução da vida, são comumente prota-
gonizadas por mulheres, que assumem a linha de frente
nos casos de resistência” (Lacerda, Harkot, Santoro e
Alho, 2020, p. 168-169).
O movimento Olga Benário também tem reivindicado
esse instrumento como forma de luta feminista, com
diversas ocupações realizadas em diferentes cidades do
país, como já comentado neste artigo. As mulheres do
Movimento Olga Benário explicam que ocupam em pri-
meiro lugar para salvar a vida das mulheres. Mas tam-
bém ocupam para contribuir na organização e formação
das mulheres “para que mais mulheres vítimas de violên-
cia lutem para que outras mulheres não passem pelo
mesmo” (MOVIMENTO OLGA BENÁRIO, 2021, p.42). Ex-
plicam ainda que a construção das casas provam que “as
políticas públicas e o Estado devem ser geridas pelas tra-
balhadoras e trabalhadores, pelas pessoas que vivenciam
as dificuldades de ser mulher, mãe, negra, trabalhadora,
estudante e desempregada.” (MOVIMENTO OLGA BE-
NÁRIO, 2021, p.42). O movimento mobiliza todas as suas
ações e lutas para acumular forças para que as mulheres
e a classe trabalhadora tenham condições para derrubar
o capitalismo e construir em seu lugar uma sociedade so-
cialista (MOVIMENTO OLGA BENÁRIO, 2021, p.12).
Estas ocupações de moradia ou de mulheres são res-
pondidas normalmente de forma violenta pelos proprie-
tários de prédios públicos ou privados, pela polícia e pelo
judiciário. É comum a tentativa de despejos ilegais pela
polícia ou a concessão de medidas liminares de reinte-
gração de posse rapidamente pelo poder judiciário.
Dos casos analisados neste artigo às ocupações Luiz
Gama e Ecovila de Maricá foram despejadas por meio de
ordens judiciais em ações possessórias no ano de 2022.
As ocupações Zumbi dos Palmares, Novo Horizonte e a
Casa Almerinda Gama encontram-se ameaçadas de des-
pejo em ações de reintegração de posse.
Na Zumbi dos Palmares, duas mulheres passaram a viver
na ocupação porque foram despejadas de outras duas
ocupações em 2020, num único ano, no auge das polí-
ticas de isolamento social, quando a recomendação das
autoridades sanitárias era de “fique em casa”.
Durante a pandemia da Covid-19, mais de 36 mil famí-
lias foram despejadas no Brasil. O Rio de Janeiro figurou
como o segundo estado onde ocorreram o maior núme-
ro de despejos de ocupações coletivas de população de
baixa renda durante a crise sanitária, foram quase 6 mil
famílias despejadas (DESPEJO ZERO, 2023).
Em março de 2023, eram mais de 650 mil mulheres atin-
gidas por esse cenário em todo país (DESPEJO ZERO,
2023). Esses despejos e remoções forçadas de ocupações
coletivas impactam profundamente a vida das mulheres.
Lacerda, Harkot, Santoro, Alho (2020) apontam que:
Processos de remoção não se encerram na perda da
moradia, tampouco são casos episódicos, aconteci-
mentos de um único dia. Ao contrário, trata-se de
processos violentos, demorados, que envolvem mu-
danças de vida nos mais amplos espectros – trabal-
ho, educação, família, redes afetivas e de suporte que
são desfeitas, ou seja, toda estrutura de reprodução
da vida precisa ser reorganizada diante da remoção.
(Lacerda, Harkot, Santoro, Alho, 2020, p.161).
Lacerda, Harkot, Santoro, Alho (2020) destacam como a
remoção promove a destruição do espaço produzido pe-
las mulheres por meio de redes que lhes conferem poder
potico.
Os despejos e remoções forçadas, representam processos
de grande violência contra as mulheres. A violência pa-
triarcal contra as mulheres se expressa também nos des-
pejos/desalijos forçados. Por tal motivo, a luta feminista
também deve ser uma luta contra os despejos e remoções
forçadas.
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66Sobrinho - Trotta | Mulheres que ocupam: violência, despejos e resisncia feminista
ARTÍCULOS LIBRESTRAMAS SOCIALES • N° 05 | ISSN: 2683-8095
Nos anos de 2022 e 2023, a Campanha Despejo Zero par-
ticipou dos atos feministas do 8M. No Rio de Janeiro, em
2022, os integrantes da campanha foram para a rua com
faixas que diziam “mulheres contra os despejos, pela mo-
radia digna, direito à cidade e Reforma Agrária”.
Assim como a “greve”, as ocupações e a resistência con-
tra despejo e remoções forçadas, devem ser entendidos
como repertórios de ação coletiva e bandeiras importan-
tes das lutas feministas por direitos das mulheres e con-
tra a lógica violenta do capitalismo-patriarcal-racista.
Considerações finais
O presente artigo analisou o processo de feminização
do déficit habitacional no Brasil, a partir da análise do
protagonismo feminino em ocupações urbanas do Rio de
Janeiro. Reletiu como na fase atual do capitalismo-pa-
triarcal-racista hegemonizado pela lógica neoliberal
financeira, com a desresponsabilização do Estado por
políticas sociais, com o desemprego, a precarização do
trabalho, as mulheres têm se endividado para pagar as
contas básicas necessárias para a reprodução social de
suas famílias, como para comprar alimentos, pagar luz,
gás e aluguel.
Os motivos para essa maioria feminina no déficit são
muitos. Vão desde a maior dificuldade para o acesso à
educação até a forma patriarcal como se estrutura a
sociedade brasileira, considerando ainda a exclusão de
gênero e raça quando da instituição da propriedade pri-
vada e privatização da terra no Brasil. Como herança,
dois problemas principais que afetam diretamente às
mulheres que não têm uma casa adequada para morar: a
“feminização da pobreza” e a violência doméstica.
Neste sentido, também foi analisado como a violência
doméstica tem promovido a expulsão de inúmeras mul-
heres de suas residências e colocado-as enquanto sobre-
viventes em situação de precariedade habitacional.
Para grande parte das mulheres, a casa nunca foi um,
mas sim espaço de violência. Para as mulheres negras
mais pauperizadas, a dependência financeira aos com-
panheiros contribui para a perpetuação do ciclo de
violência doméstica.
O retrato das ocupações urbanas no Brasil escancara es-
sas desigualdades sociais, raciais e de gênero do país. As
ocupações têm raça, gênero e classe social: compostas
majoritariamente por mulheres negras e mães solo.
Desta forma, os despejos e remoções forçadas impactam
profundamente as vidas das mulheres, especialmente
negras e periféricas. A moradia, sobretudo a autonomia
sobre ela, precisa ser compreendida enquanto fator cha-
ve no combate às violências e desigualdades de gênero.
As políticas públicas de habitação por interesse social
precisam ser construídas levando em conta as dimensões
interseccionais para que de fato enfrentem os problemas
interconectados das desigualdades sociais, raciais e de
gênero.
A luta contra os despejos e remoções forçadas é uma luta
feminista!
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